Trânsito IP e LGPD: o que os logs revelam mesmo?

Por Parceria Jurídica

7 de outubro de 2025

A relação entre o tráfego de rede e a proteção de dados pessoais está no centro de um debate jurídico complexo. No Brasil, com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), tornou-se imprescindível compreender até que ponto os metadados coletados em roteadores, firewalls e sistemas de monitoramento — como registros NetFlow, logs de conexão e rotas BGP — podem ser considerados dados pessoais.

Esses registros, embora não revelem diretamente o conteúdo das comunicações, contêm informações sobre origem, destino, horários, portas e volumes de tráfego. A análise jurídica desse tipo de dado exige um equilíbrio delicado entre segurança da rede e privacidade dos usuários.

Este artigo analisa o enquadramento legal desses registros sob a LGPD, abordando fundamentos de tratamento, responsabilidades de controladores e operadores, além de discutir a interface entre regulação de telecomunicações e proteção de dados.

 

O que é trânsito IP e quais dados ele envolve

O trânsito IP Brasil refere-se à troca de pacotes entre redes distintas por meio de rotas BGP, servindo como base para o funcionamento da internet. Durante essa troca, são gerados registros técnicos, conhecidos como metadados, que permitem o gerenciamento de tráfego e a detecção de anomalias.

Esses metadados incluem endereços IP, timestamps, portas de origem e destino, volume de bytes e identificadores de interface. Embora não revelem conteúdo, podem ser considerados dados pessoais quando associados a usuários identificáveis, como endereços IP fixos ou assinantes de serviços específicos.

Do ponto de vista jurídico, a coleta e o armazenamento desses dados devem respeitar os princípios da necessidade e minimização previstos na LGPD, exigindo políticas claras de retenção e segurança.

 

Base legal e o tratamento de metadados

No contexto do IP transit Brasil, provedores e operadoras tratam metadados de rede para finalidades legítimas, como segurança, prevenção a fraudes e cumprimento de obrigações legais. A base jurídica mais comumente invocada para esse tratamento é o cumprimento de obrigação legal ou regulatória (art. 7º, II, da LGPD).

No entanto, quando os dados são utilizados para fins analíticos, estatísticos ou comerciais, a base legal pode mudar, exigindo consentimento ou legítimo interesse devidamente documentado.

É fundamental distinguir entre a coleta necessária para a operação da rede — inerente à função de provedores de infraestrutura — e o uso secundário desses dados, que demanda transparência e proporcionalidade.

 

Empresas e a guarda de registros sob a LGPD

Empresas com grande volume de tráfego e múltiplos pontos de interconexão devem adotar políticas de retenção adequadas. No caso da conectividade IP empresarial, logs de acesso e uso de rede são essenciais para auditoria e segurança, mas não devem ser mantidos por períodos indefinidos.

A legislação brasileira já impõe prazos mínimos de guarda em contextos específicos — como o Marco Civil da Internet, que obriga provedores de conexão a reter registros de IP por um ano. A LGPD, por sua vez, introduz a necessidade de justificar qualquer retenção adicional com base em uma finalidade legítima.

Portanto, as empresas devem conciliar as exigências de compliance técnico com as restrições de proteção de dados, adotando políticas documentadas e revisões periódicas de retenção.

 

Provedores de internet e a responsabilidade sobre logs

Entre os trânsito IP provedores, a responsabilidade sobre logs é tema sensível. Embora muitos provedores aleguem não tratar dados pessoais, a simples capacidade de vincular um IP a um usuário torna-os controladores sob a LGPD.

Esses registros são vitais para garantir a segurança e rastreabilidade da rede, mas o acesso a eles deve seguir protocolos rígidos e ser restrito a finalidades específicas, como resposta a incidentes ou cumprimento de ordens judiciais.

A ausência de controle sobre logs pode gerar não apenas sanções da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), mas também riscos reputacionais e jurídicos significativos.

 

Operadoras, neutralidade e obrigações regulatórias

As operadoras de telecomunicações são obrigadas a manter logs para garantir integridade e qualidade de serviço. No âmbito do trânsito IP operadoras, o tratamento de dados está sujeito não apenas à LGPD, mas também à Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e à regulamentação da Anatel.

O princípio da neutralidade de rede impõe que o tráfego seja tratado de forma isonômica, mas não impede a coleta de metadados para controle técnico ou gestão de segurança. O desafio está em garantir que esses registros não sejam utilizados para práticas discriminatórias ou monitoramento indevido.

Assim, as operadoras devem adotar medidas de governança que assegurem o uso ético e transparente das informações de rede, mantendo a confidencialidade dos usuários e a conformidade regulatória.

 

O futuro regulatório e a transparência do backbone nacional

À medida que o tráfego cresce e o backbone IP Brasil se torna mais complexo, aumenta a necessidade de harmonização entre privacidade e segurança. A transparência na coleta de logs e na aplicação de políticas de roteamento será um tema central nos próximos anos.

Modelos de anonimização e pseudonimização devem ser incorporados às práticas de monitoramento, reduzindo a exposição de dados pessoais sem comprometer a eficiência operacional.

O desafio jurídico e técnico é equilibrar a privacidade individual com a necessidade legítima de monitorar e proteger a infraestrutura crítica da internet. O futuro da governança digital no Brasil dependerá de como esse equilíbrio será alcançado — com segurança, transparência e responsabilidade compartilhada entre provedores, empresas e reguladores.

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