Quem é dono do molde? Os direitos na costura sob medida

Por Parceria Jurídica

31 de outubro de 2025

A costura sob medida, além de um ofício artesanal, envolve aspectos jurídicos cada vez mais relevantes. O avanço da personalização e da digitalização de moldes traz à tona discussões sobre propriedade intelectual, contratos de prestação de serviços e proteção de dados pessoais. Questões antes restritas ao universo da moda agora dialogam com o direito autoral e a legislação de consumo.

Os moldes, fichas técnicas e arquivos digitais gerados durante o processo de criação são produtos intelectuais e podem, em certos contextos, ser protegidos como obras de design ou projetos técnicos. O desconhecimento dessas normas gera conflitos entre costureiros, clientes e ateliês, especialmente quando há reprodução ou compartilhamento sem autorização.

Com o crescimento dos negócios de costura sob medida e a integração de plataformas digitais, compreender os direitos e deveres envolvidos tornou-se essencial tanto para profissionais quanto para consumidores.

 

Criação autoral e titularidade de moldes

A definição de quem detém a autoria de um molde depende do contexto da prestação de serviço. Em muitos casos, profissionais independentes, como a costureira sp, desenvolvem moldes originais com base em medidas e preferências do cliente, mas preservam direitos sobre o desenho técnico. A cessão desses direitos só ocorre quando há contrato explícito que transfira a titularidade.

No âmbito jurídico, moldes podem ser entendidos como expressões de criação intelectual, passíveis de proteção pelo direito autoral se apresentarem originalidade e forma identificável. Essa proteção abrange não apenas o papel físico ou arquivo digital, mas também o conjunto técnico que dá forma à peça.

Sem cláusula contratual clara, o cliente adquire apenas o produto final — a roupa — e não o molde que a originou. Assim, reproduções ou adaptações posteriores sem autorização do autor podem configurar infração de direitos autorais.

 

Contrato de prestação de serviço e cláusulas de uso

O contrato é o principal instrumento jurídico para definir os limites de uso e propriedade dos moldes. Nele devem constar cláusulas específicas sobre autoria, cessão de direitos, confidencialidade e finalidade do material produzido.

Para evitar litígios, é recomendável especificar se o cliente terá acesso ao molde físico ou digital e se poderá reproduzi-lo. Também convém definir se a criação é exclusiva ou pode ser reutilizada pelo profissional em outros projetos.

Essa formalização protege ambas as partes e cria segurança jurídica em um setor historicamente informal, onde acordos verbais ainda predominam.

 

Trocas e devoluções em peças personalizadas

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece que produtos personalizados não estão sujeitos às mesmas regras de devolução aplicáveis a bens padronizados. Peças feitas sob medida não podem ser trocadas simplesmente por arrependimento, já que foram produzidas de forma exclusiva.

Isso não exime o fornecedor da responsabilidade por vícios de qualidade ou defeitos de fabricação. Caso a peça apresente falhas técnicas, o consumidor mantém o direito à reparação ou substituição dentro dos prazos legais.

Para evitar conflitos, o ateliê deve documentar o processo de prova e aprovação da peça, registrando medidas e ajustes em fichas técnicas assinadas pelas partes.

 

Proteção de dados e medidas corporais

Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), medidas corporais e informações sensíveis coletadas durante o processo de confecção passam a ser tratadas como dados pessoais. Isso inclui altura, peso, proporções e até fotos de referência.

Os ateliês devem solicitar consentimento explícito para o armazenamento e uso dessas informações, garantindo sua eliminação após o término do contrato, salvo em casos de obrigação legal de retenção.

O descumprimento dessas normas pode gerar penalidades administrativas e comprometer a reputação do negócio, especialmente em serviços que lidam com dados digitais e cadastros online.

 

Propriedade intelectual e digitalização de moldes

Com o uso crescente de softwares de modelagem e impressão digital, os moldes se tornaram ativos digitais passíveis de cópia e distribuição em larga escala. A ausência de controles de licença facilita violações e reproduções não autorizadas.

Para mitigar riscos, recomenda-se o uso de contratos de licença ou registro em plataformas de direitos autorais, além de metadados e marcas d’água digitais. Essas práticas auxiliam na identificação de autoria em disputas judiciais.

O avanço da costura digital exige que criadores tratem seus arquivos como códigos de propriedade intelectual, com políticas de backup e controle de acesso compatíveis com a legislação vigente.

 

Responsabilidade civil e ética profissional

Além dos aspectos legais, o exercício ético da costura sob medida envolve transparência e respeito à criação alheia. A cópia deliberada de modelos exclusivos ou a divulgação de moldes de terceiros sem autorização configura conduta antiética e pode resultar em sanções civis.

O profissional deve equilibrar o direito à livre inspiração com os limites da propriedade intelectual, evitando reproduções diretas que desrespeitem o trabalho de colegas ou marcas.

Na era da costura conectada, compreender o valor jurídico e moral do molde é essencial para consolidar uma prática profissional segura, justa e tecnicamente respeitável.

 

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